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Lidando com o aquecimento global. Para milhões de pessoas o ar-condicionado não é uma opção

Uma nova pesquisa sobre o Brasil, Índia, Indonésia e México revela que, até 2040, entre 64 e 100 milhões de famílias não serão capazes de atender às suas necessidades de refrigeração ambiente

Peer-Reviewed Publication

Università Ca' Foscari Venezia

image: The figure shows i) the percentage of households with an AC unit today and in 20 years and ii) the average annual household electricity consumption today and in 20 years in Brazil, India, Indonesia, and Mexico view more 

Credit: Jacopo Crimi for Energy-a project

O aumento da posse de ar-condicionado (AC) está à beira de se tornar uma nova emergência, agregando desafios sem precedentes à já difícil tarefa de descarbonizar a economia e reduzir emissões. Mesmo com o aumento da renda das famílias e temperaturas que continuam a subir, uma parcela significativa das pessoas que vivem em economias emergentes não será capaz de arcar com o uso de AC para se resfriar de forma adequada.

Uma nova pesquisa sobre o Brasil, Índia, Indonésia e México revela que, até 2040, entre 64 e 100 milhões de famílias não serão capazes de atender às suas necessidades de refrigeração ambiente, encontrando-se em uma situação de potencial desconforto térmico. Isso será particularmente marcante em locais com altos níveis de urbanização, climas quentes e úmidos ou condições econômicas ruins.

O estudo, liderado por Enrica De Cian – professora de Economia Ambiental da Ca' Foscari University of Venice e cientista da fundação Centro Euro-Mediterraneo sui Cambiamenti Climatici – e publicado hoje na revista científica Nature Communications, analisa os fatores impulsionadores da emergente crise de resfriamento ambiente, com uma avaliação de suas consequências para 2040. Esse estudo, financiado pelo European Research Council, fornece a primeira análise comparativa multinacional sobre como o clima e as características familiares/domiciliares, incluindo renda, impulsionam a adoção de aparelhos de ar-condicionado (AC) em quatro países emergentes: Brasil, Índia, Indonésia e México.

As taxas de aquisição de AC dispararão nos próximos 20 anos, levando mais da metade das famílias a possuírem um aparelho de AC: 85% no Brasil, 61% na Indonésia e 69% na Índia. Isso também levará a um aumento no consumo de eletricidade, que triplicará na Índia e na Indonésia, e quase dobrará no Brasil e no México.

A aquisição de aparelhos de AC aumentará em todo o território dos países analisados, considerando os cenários socioeconômicos e climáticos adotados. Ademais, a demanda por grandes quantidades extras de energia necessárias para alimentar todos esses novos aparelhos resultará em emissões adicionais de CO2. Pesquisas futuras são necessárias para examinar as possíveis consequências ambientais desse ciclo vicioso.

 O que impulsiona a aquisição de AC

O papel da renda e do clima nas projeções futuras foi superestimado em estudos anteriores, pois não consideraram as características familiares/domiciliares. “Não é apenas uma história de uma mudança de clima ou dos níveis de afluência que estão melhorando. Nossos resultados sugerem que os padrões de aquisição de AC são determinados por múltiplos fatores, com importância diferente entre os países”, diz Enrica De Cian. De fato, nas economias emergentes, a decisão de comprar um AC em resposta ao clima mais quente está fortemente ancorada em características socioeconômicas e demográficas. No entanto, além da renda, o que realmente parece influenciar as decisões de compra de uma unidade de AC pelas famílias é as: condições de moradia, educação, emprego, gênero, idade do chefe da família e a localização do domicílio (áreas urbanas ou rurais).

Uma tática de adaptação cara e desigual

As demandas real e potencial por aparelhos de AC devem ser consideradas em um sentido mais amplo, fornecendo uma proxy mensurável para as necessidades de aprimorar o conforto térmico. Nesse contexto, um conceito como “adaptation cooling gap” deve ser interpretado como um indicador de risco potencial de desconforto térmico.

“Aumentar o uso de eletricidade para resfriamento de ambientes residenciais é uma forma de adaptação que ajuda as pessoas a aliviar o estresse causado pelo calor, mas não é uma panaceia, uma vez que gastos com eletricidade limitarão as oportunidades entre as famílias de renda mais baixa. Mesmo aqueles com AC estarão expostos a uma nova condição de vulnerabilidade relacionada à escassez de fornecimento no setor de energia, como a recente experiência canadense, ou degradação da qualidade de suprimento de energia. Dessa forma, é imperativo administrar o crescente apetite por refrigeração de espaços residenciais usando uma combinação de medidas de eficiência, políticas e tecnologias”, diz Roberto Schaeffer, do Programa de Planejamento Energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Principais resultados por país

A Indonésia e a Índia têm o maior número de dias quentes e úmidos e, de fato, o uso de aparelhos de AC reflete bem os padrões das condições climáticas, embora a urbanização e o acesso à eletricidade desempenhem um papel mediador. Na Índia, por exemplo, o maior número de dias quentes e úmidos é observado nos estados de Bengala Ocidental, Assão, Utar Pradexe e Orissa, mas esses estados não estão associados ao uso mais difundido de AC. Por outro lado, embora a Indonésia tenha mais dias quentes e úmidos, os domicílios raramente possuem AC, exceto nos distritos mais ricos de Jacarta e nas Ilhas Riau. No Brasil, o estado do Rio de Janeiro apresenta taxas relativamente altas de posse de AC, apesar de ter menos dias quentes e úmidos em comparação com os estados do norte, onde a urbanização é baixa. No México, a posse média nos estados mais quentes já é alta, chegando a 73% em Sonora e 77% em Sinaloa.


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