Engenheiros da Universidade de New South Wales (UNSW) da Austrália inventaram uma nova arquitetura radical para a computação quântica, baseada em 'flip-flop qubits' que promete promover a fabricação em larga escala de chips quânticos de forma muito mais barata - e mais fácil - do que se pensava ser possível.
O novo design do chip, detalhado no jornal Nature Communications, permite que um processador quântico de silício possa ser dimensionado sem a colocação precisa dos átomos exigidos em outras abordagens. Importante, ele permite que os bits quânticos (ou 'qubits') - a unidade básica de informação em um computador quântico - sejam colocados a centenas de nanômetros de distância e ainda permaneçam acoplados.
O design foi concebido por uma equipe liderada por Andrea Morello, Gerente de Programa do ARC Centro de Excelência em Tecnologia de Computação e Comunicação Quântica (CQC2T) da UNSW, que disse que a fabricação do novo design deve ser facilmente alcançado pela tecnologia de hoje.
O autor principal Guilherme Tosi, Pesquisador Membro da CQC2T e nativo de São Paulo, desenvolveu o conceito pioneiro junto com Morello e os co-autores Fahd Mohiyaddin, Vivien Schmitt e Stefanie Tenberg do CQC2T, com os colaboradores Rajib Rahman e Gerhard Klimeck da Purdue University nos EUA.
"É um design brilhante, e como muitos desses avanços conceituais, é incrível que ninguém tenha pensado nisso antes", disse Morello.
"O que Guilherme e a equipe inventaram é uma nova maneira de definir um 'spin qubit' "que usa ambos elétron e núcleo do átomo. Crucialmente, este novo qubit pode ser controlado usando sinais elétricos, em vez dos magnéticos. Os sinais elétricos são significativamente mais fáceis de distribuir e localizar dentro de um chip eletrônico".
Tosi disse que o projeto previne um desafio que todos os qubits de silício baseados em spin - uma propriedade magnetica de particulas sub-atomicas - deveriam enfrentar quando as equipes começam a construir matrizes cada vez maiores de qubits: a necessidade de espaçá-los a uma distância de apenas 10-20 nanômetros, ou seja, separados por apenas 50 átomos.
"Se eles estão muito próximos, ou muito distantes, o 'emaranhamento' entre bits quânticos - que torna os computadores quânticos tão especiais - não ocorre", disse Tosi, nascido em São Paulo e graduado da Universidade Federal de Minas Gerais em Belo Horizonte.
Pesquisadores da UNSW já são líderes no mundo em fazer spin qubits nesta escala, disse Morello.
"Mas se quisermos fazer uma série de milhares ou milhões de qubits tão próximos, isso significa que todas as linhas de controle e os dispositivos de leitura também devem ser fabricados nessa escala nanométrica e com essa densidade de eletrodos. Este novo conceito sugere um outro caminho".
No outro extremo do espectro estão os 'circuitos supercondutores' - adotados, por exemplo, pela IBM e Google - e 'íons traps'. Esses sistemas são grandes e fáceis de fabricar, e atualmente lideram o caminho no número de qubits que podem ser operados. No entanto, devido às suas dimensões maiores, a longo prazo, eles podem enfrentar desafios ao tentar reunir e operar milhões de qubits, conforme exigido pelos algoritmos quânticos mais importantes.
"Nossa nova abordagem baseada em silício fica bem no ponto ideal", disse Morello, professor de engenharia quântica na UNSW. "É mais fácil fabricar do que dispositivos de escala atômica, mas ainda nos permite colocar um milhão de qubits em um milímetro quadrado".
No qubit de átomo único usado pela equipe de Morello e ao qual o novo design de Tosi se aplica, um chip de silício é coberto com uma camada de óxido de silício isolante, em cima do qual repousa um padrão de eletrodos metálicos que operam em temperaturas próximas de zero absoluto e na presença de um campo magnético muito forte.
No centro está um átomo de fósforo, do qual a equipe de Morello construiu anteriormente dois qubits funcionais usando um elétron e o núcleo do átomo. Esses qubits, tomados individualmente, tem demonstrado um recorde mundial de tempos de coerência.
A descoberta conceitual de Tosi envolve a criação de um tipo completamente novo de qubit, usando ambos, o núcleo e o elétron. Nesta abordagem, o estado '0' é definido quando o 'spin' do elétron está pra baixo e o 'spin' do núcleo está pra cima, enquanto o estado '1' é quando o 'spin' do elétron está pra cima e o 'spin' nuclear está pra baixo.
"Nós o chamamos 'flip-flop' qubit", disse Tosi. "Para operar este qubit, você precisa tirar o elétron um pouco do núcleo, usando os eletrodos na parte superior. Ao fazê-lo, você também cria um dipolo elétrico".
"Este é o ponto crucial", acrescenta Morello. "Estes dipolos elétricos interagem uns com os outros em distâncias muito grandes, uma boa fração de um mícron, ou 1.000 nanômetros.
"Isso significa que agora podemos colocar os qubits atómicos muito mais separados do que se pensava que fosse possível", continuou ele. "Portanto, temos espaço suficiente para intercalar os principais componentes clássicos, como interconexões, eletrodos de controle e dispositivos de leitura, mantendo a natureza precisa do átomo do bit quântico".
Morello classificou o conceito de Tosi tão significativo quanto o artigo seminal de Bruce Kane em 1998 na Nature. Kane, então um pesquisador associado sênior na UNSW, descobriu uma nova arquitetura, que poderia fazer um computador quântico baseado em silício uma realidade - desencadeando a corrida da Austrália para construir um computador quântico.
"Como o artigo de Kane, esta é uma teoria, uma proposta - o qubit tem ainda que ser construído", disse Morello. "Nós temos alguns dados experimentais preliminares que sugerem que é totalmente possível, então estamos trabalhando para demonstrar isso completamente. Mas acho que isso é tão visionário quanto o artigo original de Kane".
A construição de um computador quântico vem sendo chamada de corrida espacial do século 21 - um desafio difícil e ambicioso com o potencial de fornecer ferramentas revolucionárias para abordar cálculos antes impossíveis, com uma infinidade de aplicações úteis na saúde, defesa, finanças, química, desenvolvimento de materiais, depuração de software, indústria aeroespacial e transporte. Sua velocidade e poder estão no fato de que os sistemas quânticos podem hospedar múltiplas 'superposições' de diferentes estados iniciais e no 'emaranhamento' assustador que só ocorre no nível quântico das partículas fundamentais.
"Será necessária uma ótima engenharia para levar a computação quântica à realidade comercial, e o trabalho que vemos dessa equipe extraordinária coloca a Austrália no banco do motorista", disse Mark Hoffman, Diretor de Engenharia da UNSW. "É um excelente exemplo de como a UNSW, como muitas das principais universidades de pesquisa do mundo, está hoje no coração de um sofisticado sistema de conhecimento global que está moldando nosso futuro".
A equipe da UNSW fechou um acordo de A$83 milhões com a UNSW, a gigante telco Telstra, o Commonwealth Bank e os governos da Austrália e do estado de New South Wales para desenvolver, até 2022, um protótipo de circuito integrado quântico de silício de 10-qubits - o primeiro passo na construção do primeiro computador quântico do mundo em silício.
Em agosto, os parceiros lançaram a Silicon Quantum Computing Pty Ltd, a primeira empresa de computação quântica da Austrália, para promover o desenvolvimento e a comercialização das tecnologias únicas da equipe. O governo estadual de New South Wales prometeu A$8,7 milhões, UNSW A$25 milhões, o Commonwealth Bank A$14 milhões, Telstra A$10 milhões e o governo federal australiano A$25 milhões.
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Nature Communications