Já todos passámos por situações como… conseguir ser atendido por um assistente de um call centre, adormecer um bebé, fazer zapping na televisão para encontrar algo que nos interesse … É inevitável que a dado momento nos questionemos - será que as minhas ações fazem realmente diferença?
Para decidirmos o que fazer, precisamos saber se as nossas ações são relevantes, e quanto mais cedo isso acontecer, melhor. Mas perceber se temos controlo sobre uma determinada situação não assenta apenas numa estratégia de tentativa-erro. A nossa capacidade de o fazer é fortemente influenciada por fatores internos, especialmente pelo nosso estado mental. Elevados níveis de stress, ansiedade e depressão, comprometem o nosso sentimento de controlo, levando frequentemente a que consideremos que as nossas ações não são relevantes, mesmo quando o são.
Há décadas que os cientistas têm vindo a investigar a forma como este complexo processo cognitivo funciona. No entanto, devido a confusões conceptuais e metodológicas, o progresso tem sido lento. Num novo estudo, publicado hoje (10 de março) na revista científica Nature Human Behaviour, investigadores da Fundação Champalimaud, em Portugal, e do Donders Institute for Brain, Cognition and Behaviour, nos Países Baixos, apresentam uma importante descoberta nesta área.
“O mecanismo que descobrimos ainda não havia sido considerado anteriormente, mas reunimos amplas e fortes evidências - desde o comportamento à atividade neural - que sugerem que é de facto assim que o cérebro calcula a controlabilidade”, afirma Romain Ligneul, primeiro autor do estudo e investigador pós-doutorado no laboratório Neurociência de Sistemas.
Será que temos tudo sob controlo?
Para determinar como o cérebro avalia a controlabilidade, numa primeira fase a equipa teve de formular a experiência certa. Mas pode o sentimento subjetivo de controlo de uma pessoa ser medido de forma objetiva?
“Para dar uma ideia clara de como a tarefa que desenvolvemos funciona, costumo usar uma metáfora”, diz Ligneul. “Imaginem que estão, num ambiente de realidade virtual, a andar por uma casa onde cada quarto tem duas portas que, às vezes, mudam de cor.”
A equipa concebeu duas casas que parecem idênticas, mas que na verdade têm uma diferença essencial: podem ser controláveis ou não. Nas casas “controláveis”, a cor das portas determina as divisões a que dão acesso. Assim que aprendemos as associações corretas entre as cores das portas e as divisões, podemos escolher para onde queremos ir a seguir. Pelo contrário, nas casas “não controláveis”, a sequência de divisões é fixa. Ou seja, se estamos na cozinha, qualquer uma das portas dá acesso à casa de banho, tornando as nossas escolhas irrelevantes.
“Como as casas parecem iguais, podemos trocar os participantes entre casas “controláveis” e casas “não controláveis” sem que estes se apercebam”, disse Ligneul. “Depois, deixamo-los explorar a casa durante algum tempo antes de lhes perguntarmos: “que divisão está por trás de cada uma das duas portas que estão a ver?”.
Quando a questão surge, os participantes podem ainda não ter percebido bem o que está a acontecer. Especialmente porque, de vez em quando, o algoritmo os confunde ao alterar as associações entre a cor da porta e a divisão. Ainda assim, as respostas revelariam aquilo que a sua intuição lhes diz. Se sentem que não têm controlo, diriam que ambas as portas dão acesso à mesma divisão. Se, pelo contrário, sentem que as suas escolhas são relevantes, identificariam uma divisão diferente em cada porta.
O Ator Versus O Espectador
Com o desenvolvimento desta elegante experiência, a equipa havia acabado de descobrir um novo mecanismo que explica como o cérebro avalia a controlabilidade. “Descobrimos que existem dois processos de aprendizagem que ocorrem em paralelo: o ator e o espectador. O cérebro controla e compara estes dois processos, continuamente, para determinar qual é o melhor a fazer previsões”, explicou Zachary Mainen, Investigador Principal na Fundação Champalimaud e coautor deste estudo.
“Um jogo de ténis é um ótimo exemplo de como o sistema funciona”, acrescentou Ligneul. “O ‘sistema ator’ seria dominante quando é a nossa vez de fazer o serviço, porque o cérebro precisa de calcular quais as ações que conduzirão à melhor trajetória. No entanto, se estamos na posição de recetor da bola, não há nada que possamos fazer para determinar onde esta irá cair. Então, nesse caso, o cérebro optaria pelo ‘sistema espectador’, para que estejamos preparados quando a bola vier na nossa direção.”
Um teste de stress
O novo modelo de aprendizagem da equipa ganhou tração quando foi acrescentado o fator stress à equação. “Sabe-se que, à semelhança do que acontece em situação de ansiedade e depressão, a exposição a fatores de stress conduz a uma ilusão de falta de controlo”, afirmou Ligneul. “Por isso, pensámos que, se o nosso modelo estivesse de facto correto, então a exposição dos participantes a esses fatores de stress, antes de executarem a tarefa, faria pender a balança para o ‘sistema espectador’”.
O teste de stress confirmou a sua hipótese. Os participantes que recebiam choques elétricos ligeiros sem controlo, tendiam a adotar a posição de espectador. E quanto mais elevados fossem os seus níveis gerais de stress à partida, mais eficaz era a manipulação. Em contrapartida, apesar de efetivamente receberem o mesmo número de choques, os participantes que podiam agir para os evitar eram melhor sucedidos a implementar o modelo ator.
Porque é que estas experiências iniciais teriam a capacidade de, mais tarde, influenciar a perceção das pessoas sobre a controlabilidade? De acordo com Ligneul, há duas hipóteses. A primeira é que níveis elevados de stress podem desencadear processos emocionais que prejudicam o desempenho em tarefas cognitivas. A segunda, que o autor considera mais provável, é que os participantes estão simplesmente a ser racionais. “A experiência ensinou-lhes que o mundo não é controlável. Por isso, o autor sugere que, quando são confrontados com uma situação nova, esta premissa guia as suas previsões e processo de tomada de decisão”.
Um Novo Circuito Cerebral
Na fase final do estudo, os cientistas investigaram a base neural deste mecanismo. Desta vez, os participantes desempenharam a tarefa dentro de um equipamento de MRI que recolheu imagens da sua atividade cerebral em tempo real. Com esta abordagem, a equipa identificou várias áreas relevantes no cérebro.
“Encontrámos certas estruturas cerebrais que codificam sinais relacionados com o processo de aprendizagem “ator” e outras que codificam ambos os processos. Isto significa que o cérebro, a cada momento, consegue comparar diferentes fontes para avaliar a controlabilidade”, explicou Ligneul.
Se é surpreendente que a mesma região do cérebro represente os dois processos? “Não. De todo” respondeu Ligneul. “Como os dois processos precisam ser continuamente comparados, a co-localização ajuda a assegurar que a comparação acontece rapidamente.”
Desenvolvimento, Depressão e Controlo
Apoiados por este conjunto de dados, a equipa está já a planear vários estudos de continuidade. “As nossas descobertas têm amplas implicações em diversos campos”, disse Ligneul. “Estamos entusiasmados com a possibilidade de investigar como este mecanismo evolui com a idade e como outros fatores, como é exemplo crescer num ambiente de stress, o afetam. Também estamos particularmente interessados em explorar este mecanismo em contexto de distúrbios mentais. Acreditamos que esta abordagem irá ajudar a perceber porque é que a depressão conduz à ilusão de perda de controlo, e como os medicamentos psiquiátricos funcionam, questões que estão ainda em aberto”, conclui.
Journal
Nature Human Behaviour
Method of Research
Experimental study
Subject of Research
People
Article Title
Stress-sensitive inference of task controllability
Article Publication Date
10-Mar-2022
COI Statement
The authors declare no competing interests.