News Release

O lado ferrugento e doce da sépsis

Peer-Reviewed Publication

Instituto Gulbenkian de Ciencia

Escultura de ferro

image: Escultura de ferro do artista português Rui Chafes “Apaga-me os olhos” (2005). view more 

Credit: Rui Chafes

Uma equipa de investigação liderada por Miguel Soares do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) descobriu um novo mecanismo que tem um efeito protetor contra a sépsis. Este estudo aparece no dia 15 junho na revista científica Cell* e oferece novos caminhos para futuras abordagens terapêuticas contra a sépsis.

A sépsis consiste numa resposta descontrolada do corpo a uma infeção sistémica, isto é, espalhada por diferentes partes do corpo. O sistema imune de um indivíduo infectado tenta eliminar os micróbios responsáveis pela infeção, em muitos casos com sucesso, mas durante este processo provoca alterações significativas no normal funcionamento de órgãos vitais como o cérebro, coração, fígado, rins ou pulmões. Nos casos mais severos, a pressão sanguínea também desce e esses órgãos acabam por parar de funcionar devidamente, resultando na morte do paciente.

Os pacientes com sépsis têm respostas muito diversas à infeção, que dependem não só do tipo de infeção mas também das suas características genéticas, outras doenças e idade. Um mistério há muito por resolver prende-se com o facto de apesar do uso de antibióticos conseguir controlar os microorganismos que causam infeção, alguns pacientes sucumbem enquanto outros recuperam da infeção. Ao longo dos últimos cinco anos, a equipa de investigação liderada por Miguel Soares tem proposto o conceito de que os indivíduos que não sucumbem à sépsis desenvolvem uma resposta protetora que mantém a função dos órgãos vitais, conferindo tolerância à infeção. Utilizando modelos experimentais de sépsis em ratos, a equipa de Miguel Soares descobriu agora um mecanismo que é vital para conferir essa tolerância.

“Nós sabíamos que um elemento chave para promover a tolerância à infeção é como os níveis de ferro são controlados em diferentes tecidos. Ao mesmo tempo, outros colegas tinham mostrado que a patogénese da sépsis está associada com a desregulação do metabolismo da glucose (açúcar). O que descobrimos agora é que estes dois fenómenos estão intimamente interligados. O controlo do metabolismo do ferro é necessário para manter a produção de glucose no fígado, de modo a que este açúcar possa ser usado como fonte vital de energia para outros órgãos”, diz Miguel Soares.

Sebastian Weis, um médico a fazer um pós-doutoramento com Miguel Soares, induziu sépsis em ratos de laboratório e comparou a progressão da doença em ratos com ou sem ferritina, uma proteína que controla o ferro no fígado. Sebastian descobriu que a ferritina é absolutamente necessária para que o fígado produza glucose depois da infeção, e assim proteger o rato de sucumbir à sépsis.

“Tipicamente em ratos, depois da infeção, existe um aumento dos níveis de glucose no sangue seguido de uma quebra repentina que pode ser letal. Em humanos isto também acontece num subgrupo de pacientes e sabe-se que isto induz uma maior mortalidade. Os nossos resultados mostram que a ferritina controla a produção de glucose no fígado de modo a que os níveis de glucose no sangue sejam mantidos dentro de um limite que permita a sobrevivência. Sem ferritina, os níveis de glucose continuaram a descer e os ratos morreram de sépsis”, explica Sebastian Weis, co-primeiro autor do manuscrito e atualmente investigador em Jena University Hospital (Alemanha), onde parte das experiências foram conduzidas.

Outra importante peça deste puzzle foi providenciada por Ana Rita Carlos, uma investigadora doutorada do grupo de Miguel Soares. Ela descobriu que a razão pela qual a ferritina é necessária para que o fígado produza glucose prende-se com um mecanismo molecular que controla a expressão de um ou mais genes envolvidos neste processo. Quando a ferritina está ausente, o ferro desregula a produção da proteína glucose-6-fosfatase e o fígado perde a capacidade de secretar glucose. Quando isto acontece, a glucose não consegue ser usada por outros órgãos vitais como fonte de energia.

“Ao mesmo tempo que é essencial para muitas funções celulares vitais, o ferro tem de ser controlado no fígado para que não interfira com a produção de glucose. O mecanismo molecular através do qual isto ocorre depende da produção de ferritina, um complexo proteico que liga o ferro e evita que este interfira com a produção de glucose”, explica Ana Rita Carlos, também co-autora deste estudo.

“Este é um bom exemplo de como investigação fundamental sem um interesse comercial imediato, conduzida num ambiente multidisciplinar como é o caso do Instituto Gulbenkian de Ciência, pode ter um impacto global no tratamento de uma doença séria. A nossa missão é fazer descobertas de modo a que possam vir a ser traduzidas em tratamentos para doenças importantes”, diz Miguel Soares.

A sépsis é um sério problema de saúde global, que afecta mais de 18 milhões de indivíduos por ano, correspondendo a 1400 mortes por dia. Só na Europa e nos Estados Unidos da América, estima-se que hajam 135 000 e 215 000 mortes, e que 7,6 e 17.4 biliões de euros sejam gastos em tratamentos, respectivamente.

Este estudo foi conduzido no Instituto Gulbenkian de Ciência em colaboração com Jena University Hospital (Alemanha) e a Université Claude Bernard Lyon (França). Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal), pelo Programa Harvard Medical School Portugal, pelo Conselho Europeu de Investigação, pela Deutsche Forschungsgemeinschaft, pelo Ministério de Educação e Investigação Federal Alemão, pela Agência Nacional de Investigação Francesa, e pela Medical Research Foundation.

*Weis, S., Carlos, A.R., Moita, M.R., Singh, S., Blankenhaus, B., Cardoso, S., Larsen, R., Rebelo, S., Shäuble, S., del Barrio, L., Mithieux, G., Rajas, F., Lindig, S., Bauer, M., Soares, M.P. (2017) Metabolic Adaptation Establishes Disease Tolerance to Sepsis. Cell 169: 1-13. http://dx.doi.org/10.1016/j.cell.2017.05.031

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