Um grupo de cientistas brasileiros obteve resultados promissores ao usarem no combate ao vírus da hepatite C compostos isolados do veneno de uma espécie de cascavel. A pesquisa contou com dados precedentes da literatura científica que comprovaram o papel terapêutico de venenos de animais contra alguns tipos de vírus - como os da febre amarela, sarampo e dengue, esta inclusive pertencente à mesma família de vírus do vírus da hepatite, chamada Flaviviridae.
Há grande demanda para a busca por novos métodos de combate contra a hepatite C. As terapias disponíveis para o tratamento são dispendiosas, apresentam efeitos colaterais e resistência viral. No Brasil, considerando apenas o Estado de São Paulo, cerca de 50% dos transplantes de fígado ocorrem em pacientes portadores de vírus da hepatite B ou C, sendo que o segundo responde sozinho por 40% de todos os transplantes.
O grupo conta com pesquisadores ligados ao Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Universidade Estadual Paulista - Unesp (campus do município de São José do Rio Preto), pelo Instituto de Ciências Biomédicas (ICBIM) da Universidade Federal de Uberlândia - UFU e pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo - USP (campus do município de Ribeirão Preto).
A partir do apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa dos Estados de São Paulo (FAPESP) e Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Royal Society (Newton Fund), os pesquisadores puderam testar não só o potencial antiviral de três compostos do veneno da cascavel da espécie Crotalus durissus terrificus, mas também dos flavonoides extraídos de uma espécie de planta endêmica ao Brasil chamada Pterogyne nitens.
Os resultados destes experimentos foram publicados respectivamente em PloS One e na Scientific Reports.
Resultados
No Laboratório de Toxinologia da FCF-USP, foi obtido o isolamento de duas proteínas provenientes do veneno da serpente: a fosfolipase A2 (PLA2-CB) e a crotapotina (CP), as quais, in natura, se encontram associadas como subunidades de um complexo proteico, a crotoxina (CX) - também testada.
Em uma série de experimentos in vitro com culturas de células humanas, foi testada a ação antiviral dos dois compostos, tanto em separado como em conjunto no complexo proteico. Foram observados os efeitos dos compostos em células humanas (para ajudar a prevenir a infecção pelo vírus) e diretamente no vírus da hepatite C.
O genoma do vírus da hepatite C é constituído de uma única fita de RNA, o ácido ribonucleico, que é uma cadeia simples de nucleotídeos que codifica as proteínas do vírus.
"Esse vírus invade a célula humana hospedeira para se replicar, produzindo novas partículas virais. Dentro da célula hospedeira, o vírus produz uma fita complementar de RNA, a partir da qual serão produzidas moléculas de genoma viral que constituirão as novas partículas", disse a professora Ana Carolina Gomes Jardim, coordenadora do Laboratório de Virologia da ICBIM-UFU.
"Nosso trabalho demonstrou que a fosfolipase tem a capacidade de se intercalar com o RNA dupla fita, intermediário de replicação do vírus, inibindo a produção de novas partículas virais. A intercalação reduziu em 86% a produção de novos genomas virais, quando comparada ao que ocorre na ausência da fosfolipase", disse.
Quando o mesmo experimento foi feito usando-se a crotoxina, a redução na produção de partículas virais foi de 58%.
A segunda etapa do trabalho consistiu em verificar se os compostos conseguiriam bloquear a entrada do vírus nas células humanas em cultura. Nesse caso, os resultados foram ainda mais satisfatórios, pois a fosfolipase inibiu em 97% a entrada do vírus nas células. Já o uso da crotoxina reduziu a infecção viral em 85%.
Por fim, foi testado um segundo composto isolado do veneno de cascavel, a crotapotina. Muito embora não se tenha verificado efeitos para impedir a entrada do vírus nas células humanas nem a sua replicação, a crotapotina agiu em outro estágio do ciclo viral, reduzindo em até 78% a saída das novas partículas virais das células. No caso da crotoxina, a saída das partículas foi inibida em 50%.
Segundo os pesquisadores, os resultados dos experimentos demonstram que a fosfolipase e a crotapotina agindo isoladamente tiveram melhor resultado do que em associação.
Flora brasileira
O segundo artigo sobre a ação de compostos químicos contra o vírus da hepatite C partiu de compostos naturais da flora brasileira. Foram isolados dois flavonoides presentes nas folhas de Pterogyne nitens: a sorbifolina e a pedalitina. O trabalho foi conduzido pelo professor Luis Octávio Regasini no Laboratório de Química Verde e Medicinal na Unesp de São José do Rio Preto.
Flavonoides são compostos encontrados em frutas, flores, vegetais em geral, mel e também no vinho. Eles foram investigados de forma idêntica aos compostos do veneno de cascavel: foi testada a ação antiviral dos dois compostos, em células humanas infectadas com o vírus da hepatite C e em células não infectadas.
"A sorbifolina bloqueou a entrada do vírus nas células humanas em 45% dos casos. Já a pedalitina obteve um resultado mais promissor, bloqueando em 79%. O experimento foi feito com dois genótipos do vírus da hepatite C, o genótipo 2A, que é o padrão para todos os estudos, e o genótipo 3, que é o segundo mais prevalente no Brasil. Nos dois casos, a ação antiviral dos flavonoides foi equivalente", disse Gomes Jardim.
Na outra ponta do ciclo viral, os flavonoides não apresentaram nenhum tipo de ação antiviral no processo de replicação das partículas virais, nem os impediram de sair da célula infectada.
"Os flavonoides de P. nitens estão entre os cerca de 200 compostos testados, que foram isolados de plantas brasileiras ou sintetizados com base em estruturas naturais pelo professor Regasini", explicou Paula Rahal, coordenadora do grupo de Virologia do Laboratório de Estudos Genômicos da Ibilce-UNESP. "Os dois flavonoides foram testados contra o vírus da hepatite C porque já haviam demonstrado possuir efeitos antivirais em experimentos com o vírus da dengue."
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Journal
PLOS ONE