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Reciclagem de esgoto por algas propõe sistema de tratamento descentralizado

Pesquisadores do Brasil e da Holanda empregam algas unicelulares para tentar resolver o problema da gestão de resíduos gerados nas estações de tratamento de esgoto

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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Uma das finalidades do processo de tratamento de esgoto é evitar o lançamento em mananciais de grandes quantidades de carbono, nitrogênio e fósforo, componentes da carga de matéria orgânica formada principalmente por fezes e urina.

O despejo maciço dessas substâncias em um corpo hídrico pode provocar eutrofização, ou seja, o crescimento excessivo de microrganismos aquáticos (em especial algas), levando a desequilíbrios potencialmente sérios da comunidade de seres vivos na água - além de carregar, é claro, possíveis organismos causadores de doenças.

No entanto, as técnicas vigentes de remoção de fósforo e nitrogênio têm um efeito indesejável. A reação dessas substâncias com os aditivos químicos usados no processo gera resíduos - um lodo de baixa aplicabilidade que se converte em um ônus, como explica Luiz Antonio Daniel, professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. "De acordo com a legislação em alguns estados brasileiros, não se pode usá-lo como fertilizante na agricultura, por exemplo", explica Daniel. "O lodo, então, acaba indo para aterros sanitários, ou seja, é preciso um gasto considerável apenas para se livrar dele."

Um modo de tornar o processo de tratamento de esgoto o mais autossustentável possível seria descentralizar o sistema. Dessa forma, a chamada "água negra" do esgoto doméstico - fração mais "pesada" do efluente, composta basicamente por uma mistura pouco diluída de fezes e urina - seria encaminhada não a grandes estações, mas para minicentrais que atendessem a populações menores - de unidades habitacionais a pequenos municípios - e a partir daí tratada por algas unicelulares que ajudam a despoluir o líquido e, ao mesmo tempo, produzem quantidades apreciáveis de biomassa, que poderia ser usada in natura ou processada como adubo.

Este modelo está sendo estudado por um projeto, coordenado por Daniel, de parceria entre cientistas brasileiros e holandeses. Eles estão trabalhando em colaboração por meio de acordo entre a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e a Organização Holandesa para Pesquisa Científica (NWO), que financiam seus respectivos pesquisadores.

Nos reatores testados pela equipe da EESC-USP, as algas Chlorella se valem do nitrogênio e do fósforo da água negra, bem como dos micronutrientes presentes nos dejetos humanos, para se multiplicar. Justamente por terem absorvido o nitrogênio e o fósforo da água negra, as algas são ricas nesses elementos, que são essenciais para a adubação em escala industrial aplicada hoje.

"Não seria necessário descentralizar excessivamente, com um sistema de tratamento de esgoto para cada residência ou prédio - podemos pensar em unidades que sirvam a alguns milhares de habitantes, até cerca de 10 mil", estima Daniel.

"Como cerca de 50% dos municípios brasileiros têm menos de 10 mil habitantes, e apenas um quarto deles possui sistemas de tratamento de esgoto, seria possível preparar muitos locais para adotar esse conceito desde o início."

De volta ao ciclo fechado

Grietje Zeeman é professora emérita da Universidade de Wageningen, na Holanda. Ela conta que, na Holanda do século 19, fezes e urina eram recolhidos em contextos domiciliares e ajudavam a adubar as plantações do país - na verdade, o sistema só foi desativado totalmente no começo dos anos 1980.

"Com o nosso sistema de hoje, que pode ser chamado de 'flush and forget' [algo como 'dar descarga e esquecer'], esse ciclo de reaproveitamento de nutrientes foi rompido. A nossa ideia é fechar o ciclo novamente", explica Zeeman.

Para alcançar essa meta, ressalta Zeeman, o primeiro passo é descentralizar consideravelmente a coleta de esgoto, de modo a evitar que ocorra uma grande diluição da água negra - e dos nutrientes carregados pelas fezes e urina.

Intercâmbio tecnológico

Após as algas completarem a absorção de matéria orgânica, o passo seguinte é recolher as camadas de micróbios que cresceram no líquido. Daniel explica que isso pode ser feito de duas maneiras.

"Na Holanda, eles usam muito a sedimentação, na qual um polímero faz as algas sedimentarem e elas podem ser coletadas do fundo do reator. Aqui, temos trabalhado com a flotação: injetamos ar comprimido no líquido, formam-se bolhas na superfície contendo as algas que sobem para a superfície, e o braço de um raspador mecanizado vai recolhendo essa biomassa e a leva para uma canaleta", disse.

Para aproveitar esse potencial, também é preciso trabalhar em métodos eficientes de secagem da biomassa, explica Daniel. Se forem armazenadas na forma úmida, as células das algas podem acabar se rompendo, "derramando" justamente os nutrientes que deveriam ser aproveitados no fim do processo.

A parceria com a equipe da Holanda, segundo o pesquisador da USP, tem sido muito útil do ponto de vista comparativo. Levando em conta as diferentes condições climáticas de cada país, é possível pensar em maneiras de otimizar a produção de algas dependendo do contexto.

"Lá, por exemplo, eles não têm sol o ano inteiro, como temos por aqui, nem o calor intenso do Brasil, que às vezes até atrapalha o crescimento das algas", exemplifica Daniel. "Por isso mesmo, o modelo de reator holandês que nós testamos na USP acaba esquentando demais. Para chegar a uma escala maior, devemos fazer vários ajustes."

Otimizar todo o processo para que ele funcione em escala industrial é o próximo passo dos estudos. Testes de campo devem ser realizados na Estação de Tratamento de Esgoto do Monjolinho, em São Carlos, no interior de São Paulo.

Uma vantagem do uso das Chlorella no processo é que as algas já estão presentes na natureza e não necessitam de modificações genéticas para cumprir seu papel. Portanto, não deve haver problemas relacionados à liberação do esgoto tratado em rios e lagos.

"Se você deixar uma amostra de esgoto ao ar livre, naturalmente ela vai ser colonizada - vai ficar verde", explica Daniel. Para ele, é importante passar a encarar a água negra e outros eflúvios como potenciais recursos.

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Sobre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) é uma das principais agências públicas brasileiras de fomento à pesquisa. A FAPESP apoia a pesquisa científica e tecnológica por meio de Bolsas e Auxílios a Pesquisa que contemplam todas as áreas do conhecimento. Em 2016, a FAPESP desembolsou R$ 1,137 bilhão, custeando 24.685 projetos, dos quais 53% com vistas à aplicação de resultados, 39% para o avanço do conhecimento e 8% em apoio à infraestrutura de pesquisa. Saiba mais em: http://www.fapesp.br.


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