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Desenvolvida nova molécula com alta eficácia e seletividade no combate à malária

Em testes realizados em camundongos e em cultivo in vitro, molécula desenhada no Brasil foi capaz de matar as cepas resistentes de Plasmodium e reduzir em 62% a contagem do parasita no sangue sem atacar o organismo do hospedeiro

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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Uma nova molécula, sintetizada em laboratório com base em compostos naturais encontrados em bactérias marinhas - conhecidas como marinoquinolinas - figura como forte candidata para o desenvolvimento de fármaco contra a malária.

Em testes, a molécula foi capaz de matar, inclusive, a cepa resistente aos antimaláricos convencionais. A molécula apresenta baixa toxicidade e alto poder de seletividade, atuando apenas no protozoário e não em outras células do organismo do hospedeiro.

A molécula foi desenvolvida no Brasil no Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar) - um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP. Os pesquisadores realizaram estudos com cepas de cultivo in vitro e também fizeram testes em camundongos, utilizando o protozoário Plasmodium berghei - visto que camundongos não são infectados por Plasmodium falciparum, causador da forma mais agressiva de malária.

"Nos testes, já no quinto dia de estudo a molécula conseguiu reduzir 62% da quantidade de parasitas no sangue (parasitemia). Ao fim dos 30 dias de teste, todos os camundongos que ingeriram doses da molécula sobreviveram", disse Rafael Guido), professor no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP).

Guido é um dos autores de artigo publicado no Journal of Medicinal Chemistry, em que os pesquisadores descrevem a ação inibitória da molécula na fase sanguínea e hepática do ciclo assexuado do protozoário, responsável pelos sinais e sintomas da doença.

Potencializando ação farmacológica da molécula

As marinoquinolinas foram avaliadas quando descobertas contra a malária, doença de chagas e tuberculose. No entanto, os produtos naturais apresentaram apenas ação de moderada a fraca contra os patógenos.

"O núcleo dessas moléculas, conhecido por pirroloquinolina [que contém o núcleo 3H-pirrolo[2,3-c]quinolínico], nos chamou a atenção. Esta é uma estrutura rara dentre produtos naturais e pouco abordada na literatura científica", disse Carlos Roque Duarte Correia, professor no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador principal do CEPID FAPESP.

Em 2012, o grupo de pesquisadores da Unicamp publicou uma das primeiras sínteses das marinoquinolinas naturais na literatura.

"Durante o trabalho de síntese percebemos o enorme potencial farmacológico dessas moléculas. Fizemos então novas modificações estruturais na parte pirroloquinolina, empregando eficientes processos catalíticos, e a partir da estrutura obtida criamos uma nova molécula com potência ampliada em centenas de vezes contra o P. falciparum e sem aumentar sua toxicidade", disse Guido.

Morto de fome

Os mecanismos de ação da molécula ainda não são totalmente conhecidos. Sabe-se, porém, que entre eles está uma via clássica de inibição do parasita, conhecida como metabolismo de hemozoína.

Essa estratégia consiste em manter baixa a concentração desse composto que é tóxico para o parasita. Quando o parasita se instala no hospedeiro, ele infecta primeiramente as hemácias (glóbulos vermelhos), pois a hemoglobina presente nessas células é a única fonte de energia que ele tem para consumir. Mas a hemoglobina contém uma molécula de cofator ligada em sua estrutura, chamada grupo heme, que na forma livre - quando está desligado da hemoglobina - é altamente tóxico para os parasitas.

Anos de evolução deram ao parasita a capacidade de desenvolver um mecanismo que polimeriza esse grupo, livrando-se assim de sua toxicidade. "Essa estratégia do parasita de obter energia sem se intoxicar funciona mais ou menos como jogar a poeira para baixo do tapete. O grupo heme continua lá, mas em uma forma polimerizada e insolúvel que não é tóxica para o parasita", disse Guido.

A molécula desenvolvida pelo grupo de pesquisadores do CIBFar atua, entre outros mecanismos, impedindo essa polimerização e, assim, o parasita é intoxicado pelo grupo heme.

"A molécula atua impedindo a formação do polímero hemozoína, que é a forma que o parasita desenvolveu para se livrar da toxicidade do grupo heme. Ao impedir a formação da hemozoína o parasita morre", disse Célia Regina Garcia, professora na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo e também autora do artigo. Garcia trabalhou em parceria com o CIBFar e foi responsável pelos testes do mecanismo de ação da molécula no parasita.

Cepas resistentes

Outro indicador de que a derivada de marinoquinolina é forte candidata a fármaco está no fato de ela conseguir matar cepas resistentes a três dos principais medicamentos contra a malária: cloroquina, pirimetamina e sulfadoxina.

"A cloroquina tem sido pouco usada para o tratamento da malária falciparum, a malária responsável pelos casos mais graves e fatais da doença, e a expectativa é que a artemisinina siga o mesmo caminho. Atualmente, a artemisinina é o principal fármaco em uso para o tratamento da malária. Embora ainda eficaz, é um fármaco com os anos contados por causa da resistência, e essas cepas resistentes estão se alastrando em toda a Ásia. Existe, portanto, uma preocupação mundial em desenvolver fármacos para a malária e eu acho que o Brasil é um país que tem potencial de emergir nessa área", disse Garcia.

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) a malária mata hoje 445 mil pessoas por ano. "Se hoje, com o medicamento eficaz, temos um número tão alto de mortes, se não houver o desenvolvimento de novos fármacos no futuro a malária pode matar muito mais. É a parasitose que mais mata no mundo ainda que atualmente tenha tratamento relativamente eficaz", disse Guido.

Próximos passos

Duarte Correia conta que, no estudo apoiado pela FAPESP, foram testadas as 50 primeiras moléculas desenvolvidas a partir das marinoquinolinas. "Esse trabalho, no entanto, não para nessa publicação. Temos ainda uma série de outros compostos sendo desenvolvidos", disse.

O grupo está caracterizando ainda o potencial dessa classe para tratar a malária causada por Plasmodium vivax, a forma da malária mais prevalente no Brasil, e está desenvolvendo a parte de farmacocinética do projeto - a reação do organismo ao medicamento.

"Se as propriedades do composto, como solubilidade, absorção, distribuição, metabolismo e excreção não forem adequadas, ele pode ser acumulado no organismo e se tornar tóxico para o paciente, o que inviabilizaria o medicamento. Após terminarmos essa etapa, nosso objetivo é fazer testes pré-clínicos e clínicos", disse Guido.

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Sobre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

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