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Nova fase na relação entre figueiras e vespas é desvendada

Pesquisador brasileiro descreve 129 espécies de parasitas da figueira que são competidores e até mesmo predadores da vespa-do-figo em diferentes estágios do mutualismo que moldou a evolução da planta e de sua poli

Peer-Reviewed Publication

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Figs and Fig Wasps

image: The lifecycles of figs and fig wasps are studied as a way of understanding the evolution of mutualism. view more 

Credit: Luís F. M. Coelho

Em um artigo http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1146609X17300395) na revista Acta Oecologica, o biólogo brasileiro Luciano Palmieri Rocha (http://bv.fapesp.br/pt/pesquisador/98949/luciano-palmieri-rocha), propôs a existência de uma nova fase no ciclo de desenvolvimento das flores da figueira (Ficus carica) e de suas polinizadoras específicas, as vespas-do-figo da espécie Blastophaga psenes - um dos exemplos mais estudados na análise da evolução do mutualismo.

Segundo Palmieri, a sexta e nova fase deste ciclo "não diz respeito diretamente ao desenvolvimento da figueira, mas de seu papel no ciclo de desenvolvimento de outras dezenas de espécies de insetos que não são vespas-do-figo."

"Há uma série de organismos - insetos, ácaros, nematoides - que também inserem seus ovos dentro do fruto, mas sem cumprir o papel biológico da polinização", complementa Palmieri. As larvas destes animais competem diretamente com as larvas das vespas-do-figo por alimento e espaço dentro do figo, ou simplesmente se alimentam delas.

Palmieri teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (http://bv.fapesp.br/pt/bolsas/145832), e é filiado ao Laboratório de Interação Inseto-Planta do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo, no Brasil - chefiado pelo professor Rodrigo Augusto Santinelo Pereira (http://bv.fapesp.br/pt/pesquisador/2729/rodrigo-augusto-santinelo-pereira).

O artigo de Palmieri integra edição especial da revista Acta Oecologica, em homenagem aos 50 anos da descoberta inicial do ciclo das figueiras e suas vespas. Desde os anos 1960, quando esse mutualismo começou a ser elucidado, o ciclo de desenvolvimento tem sido dividido em cinco fases distintas (A, B, C, D e E). Elas descrevem tudo o que ocorre desde o momento em que a vespa mãe penetra no interior do figo para pôr seus ovos, até quando uma nova geração de vespas fêmeas fertilizadas emerge do figo para renovar o ciclo.

Evolução do mutualismo moldou as espécies

O ciclo de reprodução das vespas-do-figo só ocorre no interior dos figos e estes, ao longo de dezenas de milhões de anos de evolução, acabaram tão modificados devido à interação com aqueles insetos que hoje são confundidos com frutos. Mas figos não são frutos, são inflorescências invertidas. São invólucros que contêm em seu interior centenas de flores minúsculas que produzem sementes internamente graças ao trabalho de polinização proporcionado pelas vespas.

É um mutualismo muito antigo, explica Palmieri. Os fósseis mais antigos de vespas-do-figo datam de 34 milhões de anos atrás. São muito semelhantes às espécies atuais, indicando que a relação simbiótica evoluiu cedo e não mudou fundamentalmente desde então. Evidências moleculares apontam que a relação existia há 65 milhões de anos, o que sugere que ela possa ser ainda mais antiga, ainda do tempo dos dinossauros.

"Foi quando os ancestrais das vespas-do-figo começaram a depositar ovos nas flores de figueiras ancestrais. São inflorescências que, acredita-se, ainda eram abertas e, portanto, aptas a ser polinizadas por diversos insetos", disse o pesquisador.

Ao longo de pelo menos 65 milhões de anos de evolução, as inflorescências da figueira se tornaram invólucros fechados ao mundo exterior, onde apenas as vespas-do-figo conseguem penetrar.

"Inicialmente, as vespas começaram a parasitar as figueiras. Por algum mecanismo evolutivo desconhecido, a planta acabou por cooptar o parasitismo das vespas dentro de seu ciclo reprodutivo", disse Palmieri.

O ciclo de desenvolvimento das flores da figueira e de suas vespas inicia com a entrada da vespa mãe no interior do figo. "O figo é uma urna, que preserva e protege centenas de pequeninas flores. Pelo fato de as flores do figo se abrirem internamente, elas precisam de um processo especial para serem polinizadas. Não podem depender do vento ou das abelhas para transportar seu pólen. É aí que entra a vespa-do-figo", disse.

As cinco fases do ciclo

No interior do figo há flores femininas e masculinas, que se desenvolvem em momentos diferentes. A fase A ocorre quando as flores femininas ainda não estão maduras. Pouco tempo depois, as flores femininas amadurecem e ficam prontas para serem fertilizadas. É quando os figos se tornam receptivos para receber as vespas e passam a exalar uma quantidade enorme de compostos voláteis para atrair apenas as vespas polinizadoras, iniciando a fase B.

O figo não é inteiramente fechado. Existe um pequeno buraco, o ostíolo, que a vespa mãe deve atravessar para ter acesso ao interior do fruto. Ao fazê-lo, o inseto perde asas e as antenas se quebram de modo que, uma vez lá dentro, não tem como sair. Depois de botar os ovos, a vespa morrerá.

Uma vez dentro do figo, a vespa mãe depositará ovos em inúmeras flores internas, mas não em todas. Ao fazê-lo, ao mesmo tempo a vespa mãe fertiliza as flores com o pólen que carrega depositado em bolsas polínicas localizadas abaixo das asas.

Inicia-se então a fase C, que se estenderá pelos próximos dois a três meses. As flores polinizadas que não ganharam um ovo de vespa se transformam em sementes. Já as flores que receberam ovos se modificam em estruturas endurecidas chamadas galhas, que guardam em seu interior larvas de vespa.

A fase D ocorre no fim do período de incubação das larvas. É esse também o momento em que as flores masculinas começam a ficar maduras, abrindo e expondo estruturas chamadas anteras, onde fica o pólen.

"A abertura das flores masculinas é sincronizada com o fim do desenvolvimento das vespas. As primeiras a sair das galhas são as vespas machos, que não têm asas e olhos reduzidos, mas têm mandíbulas grandes e fortes. Os machos rastejam sobre as flores femininas até localizar as galhas onde estão as vespas fêmeas, suas irmãs, que estão prontas para emergir. Nesse momento, os machos fazem uso de um pênis telescópico que penetra e fecunda a fêmea dentro da galha. Feito isso, os machos começam a usar suas mandíbulas para abrir um buraco na parede do figo. Uma vez que o buraco é aberto, os machos caem no chão e morrem", disse Palmieri.

A fase D termina com a emergência das vespas fêmeas de dentro das galhas. "Rastejando na direção do buraco, elas passam sobre as flores masculinas, coletando em bolsas o pólen com o qual polinizarão outras figueiras", disse o pesquisador apoiado pela FAPESP.

Uma vez que atravessam o orifício cavado pelos seus irmãos fecundadores, as fêmeas estão prontas para voar em busca de outras figueiras, recomeçando o ciclo. A fase E diz respeito à dispersão das sementes das figueiras, através das fezes dos animais vertebrados que ingerem os figos.

Fase F

As evidências da nova fase F começaram a surgir ao longo de anos de observação. "Durante o estudo da interação entre as figueiras e as vespas era comum encontrar larvas de outros bichos que não tinham participação no ciclo de desenvolvimento. Esses figos eram descartados da pesquisa e jogados fora. Em certos casos, havia larvas quase do tamanho do figo comendo tudo lá dentro. Foi quando decidimos investigar o que ocorria", disse Palmieri.

"Quando as larvas atingiam a fase adulta, começavam a sair dos figos podres uns bichos que ninguém conhecia. No artigo agora publicado, descrevo 129 insetos de cinco ordens e 24 famílias diferentes, que não são vespas-do-figo e que também interagem com a figueira realizando funções diferentes", disse.

Palmieri identificou 10 tipos de vespas (Hymenoptera), 39 tipos de moscas (Diptera), 46 tipos de besouros (Coleoptera), 17 de cigarras, percevejos, pulgões e cochonilhas (Hemiptera) e 18 de borboletas e mariposas (Lepidoptera).

Esses insetos podem colonizar os figos em diferentes fases do ciclo de desenvolvimento das figueiras e alguns grupos dependem dos figos caídos para completar seus ciclos de vida. De acordo com o seu papel na ecologia da figueira e seu potencial impacto na reprodução da figueira, Palmieri dividiu os insetos em duas categorias: os intrusos precoces do figo e a fauna dos figos caídos.

Uma das formas de intrusão precoce dos figos é a das moscas do gênero Lissocephala, que põem ovos no ostíolo no momento de entrada da vespa mãe. As larvas de mosca vão migrar para dentro do figo e se alimentar de fungos e bactérias introduzidos pela vespa. Essas moscas terminam seu desenvolvimento dentro do figo e voam pelo buraco cavado pelas vespas machos.

As borboletas e mariposas são o grupo mais agressivo de insetos em termos de danos causados ao figo. Elas depositam ovos na casca. Na fase C, suas larvas perfuram a parede do figo e se alimentam indiscriminadamente da polpa, das vespas e das sementes. As larvas de borboletas e mariposas destroem o figo e emergem para poder pupar em casulos nos galhos da figueira.

No caso da fauna dos figos caídos, explica o pesquisador apoiado pela FAPESP, essa categoria engloba uma variedade de organismos que se alimentam de restos carnudos ou de sementes de figos maduros não consumidos pelos vertebrados frugíferos. Eles aproveitam a janela de oportunidade criada pelos figos que caem da árvore na fase F.

A fauna dos figos caídos é principalmente composta por besouros que se alimentam dos restos da fruta. Há diversas formas de os besouros se aproveitarem do desenvolvimento dos figos. Alguns colonizam os figos ainda na árvore, durante o início da fase C. Suas larvas se desenvolvem dentro dos figos e lá permanecem quando os frutos maduros caem ao chão. Só então as larvas migram para o solo, onde cavam um buraco e pupam no interior de casulos.

"Estes exemplos fornecem tão somente o vislumbre de uma complexidade muito maior de interações. Além das implicações evolutivas do mutualismo da polinização, um fator adicional relacionado ao sucesso das cerca de 750 espécies de figueiras é provavelmente a fauna extremamente diversificada de insetos associados aos figos - tais como as espécies de vespas que não aquelas polinizadoras. A pressão dessas vespas parasitas deve ter servido de importante fator impulsionador da diversificação das diversas espécies de figueiras. E continua a sê-lo", disse Palmieri.

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